História

Em janeiro de 2016, as três CPCJ do Porto acompanhavam 2109 processos de promoção e proteção de alunos em perigo – processos transitados, abertos, ...– Estes valores representavam 7% dos alunos do básico e 5% dos alunos dos ensinos básico e secundário, se tivermos como referência o ano de 2013/14 (43.300 alunos: 29.000 no ensino básico e 14.300 no secundário -incluindo todas as formações e vias), o que é muito para uma cidade como o Porto. Se a isto somarmos o número de adolescentes e jovens, sem sinalização às CPCJ, que não frequenta a escola ou a frequenta uma semana por ano letivo, apenas para assegurar a atribuição dos subsídios públicos à família e os alunos que se encontram em risco e em perigo, verificamos que a amplitude do problema é ainda maior.

Este é um sintoma grave de uma cidade profundamente desigual, que deixa de lado milhares de jovens em cada década que passa, entregues aos seus bairros, à delinquência e à marginalidade, porque o risco social e a insegurança é assim que se fomentam; cada instituição escolar trabalha para si e a cooperação inter-escolas e interprofissionais é muito escassa, quando era imperativo que fosse a norma. Entretanto, a cidade dispõe de muitos milhares de técnicos devidamente qualificados e de centenas de instituições capazes. Mas a malha da cooperação interinstitucional não é eficaz e tão grande número de adolescentes passam através dos seus buracos.

A cidade do Porto tem vindo a registar, cada vez mais, dois tipos de escolas: umas que acolhem as crianças e jovens oriundos de meios socioculturais mais favorecidos, públicas e privadas; outras que acolhem sobretudo crianças e jovens de meios desfavorecidos, igualmente públicas e privadas.

 

Esta clivagem não contribui para promover uma educação justa e democrática. Não existe na cidade uma estratégia capaz de enfrentar esta tendência crescente, nem de cariz escolar nem socioeducativa, envolvendo em compromissos concretos as instituições e os cidadãos.

 

Atuar de modo articulado e com coerência, com perseverança e com um horizonte aberto sobre o futuro requer um compromisso social e político que não existe. Não é fácil, nós sabemos. Mas quem disse que era fácil a construção social da justiça e da democracia?

 

 

História do Arco Maior

O Arco Maior surgiu na sequência de uma série de acontecimentos, com início em 2010. Em fevereiro desse ano, o Presidente da Comissão Nacional das CPCJ e os Presidentes das três CPCJ da cidade do Porto tomaram a iniciativa de falar com a Vereadora de Educação da Câmara do Porto sobre o grande número de casos sinalizados e acompanhados pelas respetivas Comissões da cidade e sobre o facto de que uma boa parte desses casos se transformava em abandono definitivo, sobretudo nos bairros sociais mais pobres e atirando muitos deles para a marginalidade e para a delinquência (perto de 200 nesse mesmo ano). Ao mesmo tempo, o Presidente da Comissão Nacional, Juiz Armando Leandro, contactou o professor Joaquim Azevedo, da Universidade Católica do Porto, pois já se conheciam, desafiando-o a tomar a iniciativa de pensar o problema, com outras entidades da cidade.

Assim se fez. Abriu-se um processo de reflexão interinstitucional, com vários encontros na Universidade Católica, ao longo de todo esse ano, findo o qual se construiu o projeto “O Porto tem resposta”. Estávamos já em 2011 e as conclusões do trabalho e as propostas de ação foram posteriormente apresentadas à Câmara.

Não obstante concordarmos com a necessidade de revisão do modelo de educação escolar que gera esta “exclusão”, evitando que se repitam estas situações e atuando preventivamente, com qualidade, também concordamos com a necessidade de lhes fazer face, evitando o pior, o mais caro e até o irreparável. As instituições reunidas entenderam, em 2011, que a cidade do Porto (como qualquer outra) não podia continuar a deixar “escapar” por entre as malhas dos sistemas de educação, formação, apoio e proteção social, com tantos recursos afetos, um tão elevado número de adolescentes e jovens, com tantas e graves consequências humanas e sociais.

Com base nas propostas inscritas neste primeiro modelo a que chegámos em cooperação, em cooperação interinstitucional,  iniciámos uma primeira tentativa de arrancar com o projeto, em 2011/12, em parceria com a Câmara Municipal do Porto. O Ministério da Educação aceitou destacar dois professores na UCP, para apoiarem o lançamento desta dinâmica (Antero Afonso e Isabel Lagarto). As CPCJ indicaram os jovens em efetivo abandono, que foram por nós  contactados individualmente. A Câmara começou a preparar uma antiga escola primária para instalar o projeto, processo que depois não levou a termo. A primeira tentativa de arranque foi, assim, deitada por terra.

No ano seguinte, reforçámos os laços com o Ministério da Educação, pois começámos a entender que o projeto não deveria ser exterior ao ordenamento da política pública de educação, mas sua parte integrante. Tentámos também, junto da Igreja Católica do Porto, obter apoio e instalações, o que foi alcançado. Todavia, uma casa que nos tinha sido indicada, o " Colégio dos Órfãos", acabou por nos ser negada, já na reta final, pela Obra Diocesana do Porto, a quem a casa tinha sido, entretanto, cedida. Mais um esforço foi gorado e mais um ano (2012/13) de trabalho ficou sem concretização, apesar de termos acumulado resiliência e de termos deixado mais trilhos abertos. Durante este ano, como o Ministério da Educação, desenvolvemos um combate sério e longo que, após muitas hesitações, culminaria com aceitação da participação do ME no projeto.

Foi muito duro conseguirmos que estes  jovens fossem, de novo, reconhecidos como alunos do sistema educativo nacional: "eles são não-alunos", já não temos nada a ver com eles, diziam-nos interlocutores do ME! lutamos para que se pudessem inscrever numa escola da rede pública e, para que funcionasse como um Projeto autónomo, em instalações fora das escolas, mas sempre com esse cordão umbilical administrativo ligado. Após vários meses de negociações, foi aceite que começássemos, mas apenas com jovens mais velhos, idade superior a 18 anos , constituindo uma turma EFA B2/B3, de certificação escolar. Foi, em parte, um revés, pois o nosso objetivo era começar com os jovens que abandonam as escolas da cidade, mas logo no momento posterior ao abandono. O ME não aceitou também que escolhêssemos, entre os milhares de docentes da cidade, os professores mais disponíveis e habilitados a desenvolver este tipo de trabalho educativo muito específico. Foi outro revés. Só nos autorizaram escolher dois professores coordenadores de cada polo que abríssemos.

Foi o possível e foi com o possível que se avançou para que o que estava a parecer impossível. Nos locais onde houvesse grupos de jovens do Arco Maior (em instalações cedidas por várias entidades), o ME autorizaria que estes grupos fossem turmas do grupamento escolar mais próximo o que permitiria, sem mais, a fetação de professores (horas/professor) e técnicos ao Arco Maior. Estava, assim, assegurada a base do edifício.

Depois deste segundo desaire, não desistimos. Durante um  Congresso da Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP), lançámos o repto a esta importante instituição da cidade, para que fosse ela a acolher o projeto e a dar-lhe as infraestruturas físicas necessárias (instalações e outros meios). A resposta foi dada no mesmo dia pelo seu Provedor, António Tavares, e foi afirmativa! Recomeçámos tudo: o contacto com os jovens, com o apoio das CPCJ e de Associações de Desenvolvimento Local, que trabalham nos bairros e que os conhecem melhor (demos prioridade à parte ocidental da cidade, pois era ali que estava a sede da UCP, e onde se registava o maior numero de alunos sinalizados).

Foi-nos sugerida uma primeira instalação no Colégio "Barão de Nova Sintra" e, mais tarde, foi cedida uma instalação devoluta e bastante suja, na rua Joaquim Vasconcelos, onde se previa vir a construir a nova sede da Santa Casa da Misericórdia do Porto, junto ao Agrupamento de Escolas de Rodrigues de Freitas, onde iniciamos as nossas atividades em outubro de 2013.

 

A Diretora Maria José Ascensão, acolheu-nos bastante bem, apesar da estranheza e da novidade do projeto e logo depois afetou os docentes ao Arco Maior, com quem fizemos a primeira reunião em outubro de 2013. Os dados estavam lançados e avançamos cheios de entusiasmo. Em 2014/15, o trabalho prosseguiu, em novas e melhores instalações cedidas também pela SCMP, agora no Carvalhido, com novo ânimo e novos desafios. Entretanto, desenvolvemos esforços para abrir um novo polo do Arco Maior, desta vez com população mais jovem, como sempre tinha sido a filosofia deste projeto, sustentado na população alvo que tinha sido acompanhada pelas CPCJ, ou seja, destinado a jovens que tivessem abandonado a escola, após absentismo reiterado e após as tentativas, até aí infrutíferas, de os fazer regressar à escola (ex. em "cursos vocacionais").

 

Em 2015/16, abriu o Arco Maior 2, na parte oriental da cidade do Porto (Bonfim), junto do AE Alexandre Herculano, que também nos acolheu do melhor modo e com muito entusiasmo, pela mão do seu Diretor, Manuel Lima. O Ministério da Educação autorizou este grupo, num modelo de turma PIEF, num enquadramento legal que possibilita a certificação, mas pedagogicamente nem sempre ajustado. Uma vez obtido este acordo de base, integramos vinte e sete adolescentes neste novo polo.

No ano 2015/16, fruto de pedidos que nos tinham sido feitos pelas CPCJ de Gaia, iniciamos contactos com a Câmara de gaia e com a Santa Casa da Misericórdia de Gaia. Ao fim de vários meses foi possível arrancar um novo polo, em Vila nova de Gaia, numa cas cedida pela SCMG, após obras de adaptação e de construção de uma cozinha e refeitório, num anexo. Após autorização do ME, em 2016/17, iniciamos os trabalhos, em parceria com o AE D. Pedro I, de Canidelo, com apoio entusiasta do seu Diretor, António Duarte. A Câmara de gaia foi muito solícita e sempre nos apoiou do melhor modo, mormente a construção das instalações, sendo Presidente Vítor Rodrigues e Vereadora da Educação Elisa Cidade. E assim arrancou o Arco Maior 3.

Neste mesmo ano, encetamos contactos com o ME para abrir um polo no Porto, uma vez que a lista de espera era muito longa. Sugerimos a instalação numa parte da Escola Infante D. Henrique, que tinha nesse ano pouco mais de 20 alunos e ocupa um quarteirão gigantesco na cidade, numa manifesta e conhecida degradação. Por parte, do ME houve abertura para tal, mas na primeira visita à escola a sua Diretora, edite Batista, acompanhada pela Presidente do Conselho Geral, recebeu-nos no átrio exterior da escola, a nós e ao Delegado Regional da DGEstE, e aí nos comunicou que tinha um projeto de regeneração da escola e que a a entrada de "marginais e delinquentes" iria colocar em causa tudo o que a Escola pretendia realizar.

Foi um fracasso, que nunca tínhamos considerado possível, sobretudo no âmbito da escola pública. A posição da Diretora prevaleceu e tivemos de adiar mais um ano este projeto. Não aceitamos ir para este ambiente, ainda por cima para servir de justificação para um possível encerramento da escola e para a degradação que existia. Mas não desistimos e, no ano seguinte, em 2017, o Governo acabou por "decretar" a cedência de um dos edifícios desta Escola para o funcionamento do Arco Maior, mesmo tendo de trabalhar com professores vindos de outro AE (o que veio mesmo a acontecer). Foi-nos autorizada a abertura do ensino secundário, pois correspondia a uma perspetiva de continuidade para os jovens que iam terminando o 9º ano, pedida pelos jovens ao próprio Ministério da Educação em 2014/15.

Assim, no ano letivo 2017/18, o polo 1 passou para estas instalações (e no Carvalhido passou a funcionar o polo 4), também  sujas e degradadas, que tivemos que recuperar, mais uma vez com o apoio da Família Soares dos Santos. e abrimos, além do do EFA Básico, também um EFA Secundário, acolhendo assim jovens que connosco tinham realizado o 9º ano (além de outros vindos da cidade). Foi uma grande alegria!

Nos anos letivos de 2018/19 e 2019/20 solicitamos ao ME e ao Agrupamento Infante D. Henrique instalações para completar a nossa proposta educativa do polo 1, com a Oficina Polivalente de Projetos Profissionais (OP3), componente pedagógica que já tinha sido autorizada no ano letivo anterior. As instalações não foram cedidas apesar de continuarem desocupadas.

A progressão tem sido lenta e, entre os anos letivos 2018/19 e 2020/21, tomamos a decisão de não continuar as crescer. Precisávamos de consolidar o projeto e de o estruturar mais e melhor pedagogicamente. Acolher cerca de 130 jovens em simultâneo, ainda que repartidos por quatro instalações diferentes, e até por isso, e tendo de recorrer a equipas pedagógicas que mudam dramaticamente todos os anos, constitui já uma pesada nau e nós estamos apostados em fazer o bem educacional bem feito. No entanto, a lista de esperta continua a ser grande.

Em maio de 2019 constituímos a Associação Arco Maior, que passou a titular juridicamente a nossa atividade e a assumir a autoria e propriedade deste projeto socioeducativo.

Em agosto de 2019, o Ministério da Educação, pelo Despacho nº 6954/2019, de 6 de agosto, reconhecia e integrava o Arco Maior no Programa de Segunda Oportunidade. Em outubro desse ano seria assinado um protocolo com o ME e os três Agrupamentos de Escolas com os quais trabalhamos que define as responsabilidades de cada parte, vigorando por cinco anos.

Desde o momento da sua conceção (2011) este projeto mudou imenso, em praticamente todos os domínios. Mudou na faixa etária dos jovens que pretendia abranger, mudou no enquadramento legal que iria sustentar a certificação; mudou nas metodologias que julgávamos dever aplicar; mudou nos contextos em que a aprendizagem se deve adquirir e as competências se deveriam desenvolver, mudou nas expetativas e na disponibilidade dos recursos. Mudou na filosofia da integração.

A única constante foi o propósito de construir para « não alunos», como eram definidos os jovens a quem nos direcionávamos, uma «não escola» fosse isso o que quer que fosse. a escola, no sentido mais profundo e enraizado que temos, no nosso modo de pensar e de nela agir, tinha sido parte do problema e manifestado ser incapaz de comportar uma resposta de integração para esta população específica.

Retenhamos esta ideia: definimo-nos como uma «não escola», projeto que visava servir de ligação entre os jovens em situação de abandono escolar e o tecido educativo, social e profissional onde se poderiam inseri. Haveria lugar, assim, ao desenho de uma formação que fosse capaz de desenvolver competências que permitissem que os jovens integrassem espaços sociais (escola, emprego, voluntariado, estágio, etc.) à medida que fossem considerados aptos por nós e as oportunidades surgissem.